A DESCOBERTA DO DEPÓSITO ESTANÍFERO DA PEDRA BRANCA EM NOVA ROMA/GO

 

por Pedro Jacobi

 

Este documento visa resgatar a história da descoberta deste distrito que já produziu centenas de milhões de dólares equivalentes em estanho.

 

 

Como tudo começou

Era 1973 e a descoberta, por garimpeiros, do jazimento de cassiterita da Serra Branca, às margens do Rio Maranhão, mudou o cenário deste metal no Centro-Oeste.

Em pouco tempo esta região foi inundada por empresas e garimpeiros impulsionados pelo sonho da riqueza fácil...

Na época eu fazia parte do quadro de geólogos da Terraservice/Docegeo do Centro-Oeste e a  Pedra Branca me parecia uma grande perda. Afinal, poucos meses antes, o Afonso Figueiredo e eu tínhamos visitado o Granito Serra da Mesa e sugerido um follow-up para a chefia do Distrito, Axel de Ferran.

Fomos atendidos e, consequentemente, levamos ao campo uma comitiva com o então consultor da Docegeo o Fernando Flávio de Almeida juntamente com Hélio Monteiro, Afonso Figueiredo e eu.

Infelizmente, apesar de argumentar que os granitos Serra da Mesa e Pedra Branca tinham bom potencial econômico, fomos votos vencidos: eles foram considerados pelo consultor como "intrusões diapíricas do embasamento" e o follow-up que nós havíamos proposto não foi efetuado...

Portanto, quando os garimperios descobriram a Serra Branca, que era para tersido a nossa descoberta a sorte virou.

Imediatamente o Chefe do Distrito Terraservice-Docegeo Centro-Oeste, Axel de Ferran, constitui uma equipe de exploração objetivando a descoberta de outros jazimentos no Centro-Oeste. Esta "equipe", na sua fase inicial, é constituida por mim, um geólogo júnior com pouco mais de 1 ano de experiência, um auxiliar (Wilmar Siqueira) e um bateador experiente (Nilton Botelho).

Era tudo o que eu queria.

Apesar da gritante falta de experiência da gerência de exploração, este programa acabou sendo um verdadeiro exemplo de prospecção mineral bem-sucedida.

A fase inicial constituiu-se de foto-interpretação, feita no escritório de Goiânia. Procurei qualquer estrutura que pudesse ser considerada um alvos potenciail.

Como toda a região da Serra Branca estava coberta de pedidos busquei a descoberta de algo inédito em qualquer lugar da nossa área de atuação, o Centro-Oeste. Uma enorme área...

Foram duas semanas de exaustiva foto-interpretação.

Na época não tínhamos acesso às imagens de Radar ou de satélites e o trabalho transcorria sobre os fotomosaicos desenvolvidos pela NASA. No final deste período delineamos os primeiros alvos de interesse. Eles estavam situados a nordeste de Cavalcante/GO a mais de 100 quilômetros da Serra Branca descoberta pelos garimpeiros.

Estes alvos eram estruturas sub-circulares com dimensões variáveis, de poucas centenas de metros até dezenas de milhares de metros como a espetacular estrutura da Serra da Pedra Branca.

A princípio os nossos alvos foram recebidos com certo ceticismo pelos geólogos senior do Distrito e tiveram a sua prioridade reduzida: eles não estavam no alinhamento tectônico da Serra Branca e ficavam a uma enorme distância deste distrito estanífero.

Apesar destes pontos negativos a chefia foi quase obrigada a me mandar para o campo, tamanha a minha insistência.

 

O início dos Trabalhos de campo

Axel nos dá a luz verde e em 22 de Novembro de 1973 iniciamos os trabalhos de prospecção regional. Neste dia rumamos para a vila de Terezina/GO onde uma pequena pensão repleta de "barbeiros" nos esperava.

Graças a informações passadas pelo pessoal da CPRM, que atuavam na vizinha Cavalcante em busca de urânio, pudemos evitar a Doença de Chagas.

Sorte de principiante!

Antigo mapa de localização
 

Nos primeiros dias concentrei o foco nos alvos próximos do trecho Terezina-Monte Alegre, a única estrada da região.

 

A descoberta da primeira cassiterita na região

De uma forma quase subliminar a descoberta do distrito é pressentida no primeiro dia de trabalho, sábado 24 de novembro de 1973, durante as primeiras amostragem de concentrados de bateia.

Para minha surpresa encontramos cassiterita na quarta amostra coletada!

Quando a esmola é demais...

A partir deste momento, a cada afloramento estudado, ficam evidentes as manifestações hidrotermais associadas a rochas graníticas, portadoras de concentrações anômalas de cassiterita.

A área prometia e a motivação do geólogo junior de exploração fazia a adrenalina subir. No terceiro dia de trabalho foi descoberta a cassiterita no pequeno Morro Sucuri.

O Sucuri é um pequeno stock de albita-granito intrusivo, equigranular, cortado por vênulas de quartzo-pirita-fluorita.

Nesta fase não foram encontradas mineralizações significativas e toda a cassiterita era submilimétrica.

Dado os resultados positivos obtidos foi priorizada a grande estrutura elíptica da Pedra Branca. Esta serra estava situada a dois dias de cavalo da GO-112, na margem esquerda do Rio Paranã dentro do Município de Nova Roma.

 

A descoberta das Jazidas de Cassiterita da Pedra Branca

Na terça-feira, 4 de Dezembro de 1993 o nosso pequeno grupo de exploradores, agora aumentado para cinco, com a adição dos locais Simplício e seu filho Nicanor, se aproxima da descoberta do maior depósito de estanho do Centro-Oeste.

 

Durante várias horas de cavalgada, ainda distante do alvo, era observada uma estranha depressão nas cabeceiras de uma drenagem.

Esta anomalia nos atraiu como um farol, pois poderia significar uma zona de alteração hidrotermal.

A primeira expedição - Wilmar, Nilson, Simplício e Nicanor atravessando o Rio Areia, cujo aluvião seria, mais tarde, lavrado

Atravessamos o Rio Areia com as nossas mulas sempre nos aproximando da maciça estrutura do granito Pedra Branca.

No final da tarde montamos acampamento na beira do Córrego Pedra Branca que descia desta bacia de cor anomalamente clara.

 
 
 

A curiosidade era enorme e, enquanto Simplício e Nicanor montavam o primeiro acampamento, Nilton, Wilmar e eu fomos amostrar o aluvião do Córrego Pedra Branca.

Na primeira bateada, o velho garimpeiro Nilton Botelho, com um cigarro de palha no canto da boca, sorriu: estava descoberta uma das principais jazidas de estanho aluvial da Região Centro-Oeste.

A noite demorou a passar...

No dia seguinte, cedo, começamos a escalada da serra, pelo vale do Córrego Pedra Branca. A cada parada era coletada uma amostra de concentrado, que, invariavelmente, dava positiva.

Os grãos de cassiterita estavam mais grosseiros indicando a proximidade da fonte.

 

No dia 5 escolhemos escalar o encaxoeirado Córrego Pedra Branca. Não foi fácil, mas o resultado não podia ser melhor

Durante a subida confirmou-se a nossa hipótese de um corpo granítico intrusivo.

O augen gnaisse do embasamento apresentava um belo contato por falha (cataclasitos) com o granito a biotita.

Este granito grosseiro a biotita, passa, gradualmente, para uma rocha granítica intensamente alterada, sericitizada e caulinizada, cortada por várias gerações de quartzo, muscovita, clorita, biotita e topásio greisens mineralizados. Nesta área os máficos foram totalmente destruídos. A cor branca, da bacia, observada durante a chegada era devido a um colúvio de quartzo leitoso que a cobre quase que totalmente.

Estava explicada a depressão e começava a descoberta dos maiores jazimentos primários de estanho do Centro-Oeste.

Os próximos dias e semanas foram dedicados a prospecção na região.

Com o tempo foi possível perceber a importância e as dimensões do distrito: não era só uma jazida, mas várias.

Aluvionares e primárias.

Já no topo da Serra montei o primeiro escritório onde iria passar os próximos 4 meses

O ano terminou e uma das grandes descobertas do Centro-Oeste acabava de ocorrer.

A prospecção e descoberta de novos jazimentos de cassiterita

Em 24 de janeiro de 1974 chegou o PT-HEZ, helicóptero de Belém que iria agilizar e intensificar o ritmo das nossas descobertas.

O helicóptero, pilotado pelo Comandante Sayão e transportando o geólogo Octávio Ferreira da Silva, pousou em emergência com pouco menos de 3 minutos de combustível.

Na época não existiam os GPS...

Como o tempo estava coberto por espessas núvens Sayão não conseguia localizar a nossa clareira, em um vale apertado as margens do Rio Paranã.

O desespero era grande e o rádio de Belém gritava fazendo a ponte.

Solicitamos, via rádio que o HEZ começasse a fechar, gradualmente um grande movimento em espiral até que pudéssemos localizá-lo de alguma forma.

Com alguns peões nas árvores em menos de 15 minutos pudemos orientá-lo para cima da clareira e ele, seguramente, furou o teto e pousou.

 

Com a chegada do EcoZulu tudo ficou mais fácil - Foto no topo da Serra da Pedra Branca sobre um característico elúvio de quartzo que cobria a zona mineralizada e caulinizada
Começa a amostragem intensiva com o helicóptero - agachados esq-dir: Pedro Jacobi e Octavio Ferreira da Silva

Este foi o meu primeiro contato com o Octavio, grande amigo, que estava tão branco de susto que não foi possível perceber a sua cor original...

Somente no dia 2 de março de 1974, depois da descoberta das principais anomalias geoquímicas da região (Pedra Branca, Mocambo, Sucuri, Ingazeira, Mangabeiras e Mendes) que descobrimos os primários relacionados aos greisens com até 80% de cassiterita.

Neste momento concentramos os esforços na descoberta destes "buchos", verdadeiras bonanzas que foram, aos poucos, descobertos às dúzias. Eram corpos mineralizados com até 2m de espessura, extremamente ricos, mas de pequena continuidade lateral.

Foto histórica esq-dir: Pedrinho Caruá, eu e o engenheiro Carlos Alberto. Alguns dias após a descoberta dos primeiros greisens de altíssimo teor de cassiterita

Por mais que não quiséssemos as notícias espalharam-se com incrível velocidade. Afinal um pequeno bloco deste minério com 1 m3 de volume valia, na época, mais de US$30.000,00 no mercado.

Em 1974 abrimos   a primeira estrada e construímos as pontes, que mais tarde, ironicamente iriam facilitar a vida de milhares de invasores.

A primeira estrada não tinha muita curva, era velocidade e tração nas 4...

 

Enquanto isso a nossa equipe se multiplicava com a chegada de Carlos "Carlão" Alberto B. Cunha, Roberto Gomes, Pedro "Caruá" Clementino, Anchieta e Orlando Placha.

A partir deste momento o trabalho entra em fase de avaliação preliminar de reservas e mapeamento de detalhe.

 

A DOCEGEO estava em festa e a descoberta da jazida de estanho do Pedra Branca me alavancou para a chefia do projeto Rio Grande do Sul: deixei a Serra.

Mas a história continua e a situação rósea, torna-se dramática e difícil.

O inevitável ocorreu.

Hordas de garimpeiros atraídos pelo vazamento de informações acamparam no flanco Sul da Serra.

As noites se iluminavam com as verdadeiras "romarias" de garimpeiros com suas lanternas e candeeiros a procura dos riquíssimos blocos de cassiterita quase pura.

Aos poucos, pela falta de ação da Docegeo, presa em emaranhados políticos-legais, os garimpeiros perderam o medo e invadiram definitivamente a Serra, forçando os poucos geólogos a abandonar o acampamento.

Um triste fim para um trabalho que começou tão bem.

Em poucos meses mais de 5.000 homens povoaram o sertão da Pedra Branca extraindo milhares de toneladas de estanho. Este minério era imediatamente comprado por representantes de "sérias" empresas de mineração, que ao fazer este ato, nitidamente ilegal, incentivavam a invasão e o roubo descarado do minério.

O garimpo progrediu até 1976, quando mais de 15.000 pessoas trabalhavam os depósitos primários e aluviais.

A Docegeo nunca recuperou a enorme perda, mesmo com uma reserva remanescente de mais de 15.000t de estanho ( Padilha em 1981).

Aqui fica o meu reconhecimento aos amigos de uma equipe vencedora cujo trabalho e criatividade alimentou e empregou dezenas de milhares de pessoas por quase uma década.

Fica também o meu respeito àqueles empregados, sinônimos de integridade, que optaram pela pobreza não usufruindo dos seus conhecimentos para benefício próprio.

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